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O verão trouxe o cheiro de mato quente que entra pela janela, e o zumbido dos zangões nas flores selvagens. Vêm os mosquitos famintos aos tornozelos ainda pálidos, e o canto dos pássaros que silenciaram durante o inverno. A floresta derrama cheiro de trigo sarraceno, chá com mel e espinafre rasgado com as mãos. Vapor de calçadas e grama cortada.
As crianças crescem no verão, dizem. E as sentimos enormes a cada ano de verões breves. Não porque suas calças, no outono, não lhes cabem mais, mas porque o tempo, assim compartimentalizado, é sentido diferente.
As estações tão bem marcadas trazem uma urgência de festa de aniversário. Só há um verão por ano. A piscina só abre entre julho e agosto. O vento só é morno hoje. Só se almoça lá fora agora. E se eu fizer planos de verão com crianças que crescem, é preciso saber que o verão retorna, mas a infância, não. Há um número definido de verões que percorre uma infância. Doze. Uma dúzia de maiozinhos que não cabem mais. Uma dúzia de “é a primeira praia do ano”. E os meses que precedem as férias escolares giram a roda devagar, preparando os ânimos e ajustando expectativas para o verão que se aproxima.
Meu filho fez treze anos em abril, e, no renascer da primavera, deixou morrer o parquinho.
Nossos verões canadenses – e todas as estações brasileiras – foram marcadas pela caça ao parquinho desconhecido. Metíamo-nos nos pés, nos patinetes, nas bicicletas, e errávamos pelo bairro, pela cidade, parando nas praças e parques e playgrounds que apareciam pelo caminho novo. Podemos parar para brincar um pouco? Sempre pode. Mamãe sempre tem um piquenique a postos na mochila. Uma toalha de acampamento para poder se molhar. Um band-aid, se necessário. Mamãe sempre tem tempo para um parquinho. Mas o tempo do parquinho acabou.
Meu filho não fez apenas treze anos. No país que agora é mais seu, he is thirteen. Teen. Foram-se os números individuais, em que cada um, com seu próprio nome, é uma fase inteira, agrupada numa existência infantil. Agora sua idade se arrasta em teens, até pisar na vida adulta. Teenager. Adolescente. A infância do meu filho acabou, e agora ele paga a própria passagem do metrô. Agora as escolhas que ele faz criam a vida que ele vai ter. E só posso olhar, cada vez mais longe, o voo do pássaro que ensinei a voar, com as escolhas que fiz durante sua infância. Chorei os treze anos de Thomas, porque aprendi a chorar também os pequenos lutos. É preciso marcar os fins para poder celebrar os começos.
O verão abre um espaço desconhecido.
“Essa é a primeira vez que não sairemos mais juntos em busca de novos parquinhos”, comento com meu filho, durante uma caminhada, lembrando que também Laura, aos onze anos, disse só gostar dos balanços.
“É verdade”, ele responde.
“O que vocês vão querer fazer no verão?”, pergunto, bisbilhotando o futuro.
“Não sei. Vamos ver como vai ser...”
Chamo meus filhos para me acompanharem de bicicleta nas corridas matinais, como fiz nos últimos sete anos. Sem precisarem de babá em casa, negam o convite: sou trocada pela leitura de mais um capítulo de seus livros no sofá da sala. O verão trouxe a piscina pública, na qual os dois vão sozinhos, pedalando suas bicicletas, toalhas como echarpes ao vento. Laura faz suas tarefas, e corre para a rua, a encontrar uma das várias amigas em algum balanço, onde conversam sem balançar. Os colegas da sua idade e do irmão, me dizem, fazem isso: conversam, sentados, andando, durante os recreios, ou trocam o brincar pelo esporte coletivo. Thomas joga futebol americano no intervalo da escola, algo que nunca imaginei. Thomas sai de casa para longas caminhadas, para pensar na vida e olhar coelhos - influência de quem, será?.
Vamos ver como vai ser.
Vejo nossas vidas acontecendo em intersecções que encolhem. Nosso tempo em comum será cada vez menor. Há um universo inteiro neles que me é oculto. E é natural que seja assim. As estações tão bem marcadas ensinam a deixar partir. A aproveitar cada verão na iminência do outono. Tudo o que existe deixa de existir. Tudo o que não existe é potencial de nova existência. A roda gira, e é mais fácil girar com ela.
O verão trouxe uma observação quieta do desenrolar do dia. Um prazer em ver meus passarinhos desbravando as próprias vidas. A ausência das expectativas, dos planos dos verões passados, criou um espaço vazio que, de repente, é só meu, e cheio de possibilidades. Morre uma mãe de criança e nasce uma mãe de adolescente. A roda gira e a nova fase é também minha para descobrir.
E na volta da minha corrida sozinha, largam seus livros, e pedem para ir à praia, longe demais para suas bicicletas. Mamãe sempre pode deixar um piquenique a postos na mochila. Os filhos apanham toalhas de acampamento para poderem se molhar. Um band-aid, se necessário. Mamãe sempre tem tempo para a praia.
Jogamos vôlei, porque nas suas idades o brincar virou esporte. Conversamos, sentados, pés na areia, comendo cerejas. Nadamos no rio, jogando bola: quantas vezes conseguimos passar a bola sem deixar pingar na água. Thomas sai para caminhar e procurar peixinhos. Laura pede para que eu continue nadando com ela, por favor. E tomamos sorvete antes de voltar para casa. E no sofá, eles se aninham nos meus ombros, enquanto assisto a alguma bobagem na TV. E cheiro suas cabeças de xampu, buscando aquele perfume que senti quando os tive no colo pela primeira vez. Beijos na testa. E aproveito cada segundo dessa intersecção de tempo, desse verão tão breve, na iminência do outono. Mamãe sempre tem tempo. Agora vamos ver como vai ser.
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muito lindo o texto, me tocou demais
Tão gostoso acompanhar o crescimento das crianças, parece que foi ontem que vc escreveu sobre a introdução alimentar com “coloca o pad Thai no liquidificador”.
Aqui a (não tão) pequena tem dez, quase onze. Te acompanho olhando pra eles enquanto olho pra ela.
:)) bom verão!