Não tenho escrito nada
Mas se a gente organizar direitinho, as vozes na minha cabeça publicam alguma coisa
Não tenho escrito nada. Textos inteiros se fazem e se perdem na minha mente, enquanto ela tenta colocar ordem na minha vida. Ela, a minha mente, essa entidade na terceira pessoa, esse outro que coexiste com mais 99 outras versões minhas dentro desse corpo de 44 anos, mas às vezes resolve ocupar todas as 99 versões com pensamentos à enésima potência.
Não tenho escrito nada, porque minha mente vem tratando as palavras feito um babalu morango, e mastigo os acontecimentos com calma, extraindo deles todo o sabor antes de cuspi-los. Não que um babalu morango demore muito para se tornar uma massa insípida – recentes experiências comprovam insipidez em menos de um minuto – mas a mente, ela de novo, se distrai no movimento ruminante, olha o céu e se perde naqueles tantos pensamentos, esquecendo de cuspir o babalu.
Queria uma metáfora bonita, mas esse texto está mesmo com essa cara de chiclete mascado, pisado e encrustado na calçada, feio e sujo, para todos verem.
Minha mente, absorta nessa imagem tosca de uma série de chicletes permanentemente parte de uma calçada de concreto, foi interrompida pelo sinal de bateria fraca de meu laptop. Aprendi a salvar qualquer pensamento ou texto feio assim que abro um novo arquivo, mesmo sem saber aonde vai dar, porque a bateria do laptop está com defeito desde que a garantia acabou, e eu nunca sei quando aqueles 100% vão descarregar de uma vez só e desligar o Word. A aleatoriedade do suspiro suicida do laptop me tornou uma acumuladora compulsiva de arquivos de aforismas, contos inacabados e histórias sem fim, bem menos interessantes dos que os clássicos evocados por minhas descrições.
Corre para colocar o laptop na tomada antes da tela ficar preta e você perder a paciência com o texto chiclete-sujo-na-calçada que você começou. Escreve uma frase falando com você mesma como se fosse ainda outra, usando o imperativo da segunda pessoa com “você”, e dando de ombros quando uma das suas versões diz que isso está errado (é “corra”e “escreva”, ela diz). Minhas versões mais cheias de regra andam fracas que nem a bateria, e minhas versões que estão c*gando lembram de salvar a ideia antes da tela ficar preta.
Não tenho escrito nada, porque a mente anda ocupada demais resolvendo o que fazer da vida, ou como fazer o que eu resolvi fazer da vida, ou como fazer como eu fazia quando jovem, quando resolvia fazer as coisas e fazia, sem absolutamente nenhum rabo preso com esse tal de futuro com o qual todo mundo diz que a gente tem que se preocupar.
Depois do “tá f*da, mas eu consigo” e do “não tem que”, o próximo quadrinho pra emoldurar na parede ou pra tatuar na testa vai ser “porque eu quero”. Uma das minhas versões grita que quer alguma coisa, aí as outras 99 ficam atazanando a coitada, que gasta toda a sua energia justificando suas decisões ao invés de sentar e escrever um texto bonito que não compare reflexão introspectiva e crise de meia-idade a mastigar um babalu morango que perdeu o morango há dez minutos.
Eu não tenho escrito nada, porque ando tentando arrebanhar aquelas versões que estão c*gando, e criar um grupo revolucionário que vai destituir de vez as versões que se importam pracarai com o que os outros pensam. A bandeira do movimento vai ser “porque eu quero”, seguido do slogan “ninguém te perguntou”.
Outro dia as crianças entraram em casa brigando a respeito de quem ia ver tv primeiro na sexta depois da escola, já que eles só vem tv na sexta depois da escola e no fim de semana. Mandei todo mundo ficar quieto, sentei os dois na minha frente e expliquei que chega dessa pataquada: mamãe já tem quase 45 anos, o que quer dizer que, sendo otimista, cheguei na metade da minha vida, ou nos dois terços da parte em que os joelhos ainda vão permitir que eu faça o que eu quiser, e eu não vou mais tolerar nenhuma encheção de saco que possa estragar os dias que me restam, não importando quantos eles sejam.
Uma versão minha está interrompendo esse texto feio para dizer que é muito infantil da minha parte achar que eu tenho o direito de fazer o que eu quero sem nenhuma encheção de saco. Outra versão minha mandou essa versão parar de encher o saco, porque a vida é minha pra eu viver como eu quiser. As outras 98 versões fizeram pipoca pra todo mundo e sentaram pra assistir ao embate, cochichar a respeito e apostar em quem é que ganha essa joça.
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Maravilhoso! Também não ando escrevendo por motivos bem semelhantes.